09 julho 2016

CLÁSSICOS DA 9ª ARTE: « O DEMÓNIO NA GARRAFA»





  A atravessar uma profunda crise existencial, Tony Stark contempla o abismo no fundo de cada garrafa esvaziada. Enquanto vacila na batalha contra o seu demónio interior, um misterioso inimigo conspira nas sombras para desacreditar publicamente o Homem de Ferro. São estas as empolgantes premissas de uma saga antológica do Vingador Dourado, cujo enorme impacto surpreende até hoje os seus autores.

Título original: Demon in a Bottle
Autores: David Michelinie & Bob Layton (história) e John Romita, Jr. (esboços)
Licenciadora: Marvel Comics
Títulos abrangidos: The Invencible Iron Man nº120 a 128
Data de publicação: Março a novembro de 1979 (EUA)
Protagonistas: Tony Stark/Homem de Ferro (Iron Man), Jim Rhodes e Bethany Cabe
Coadjuvantes: Bambi Aborgast, Arthur Pithins, Ling McPherson, Scott Lang/Homem-Formiga II (Ant-Man), Os Vingadores (The Avengers), Ed Koch, Embaixador Sergei Kotznin e S.H.I.E.L.D.
Vilões: Justin Hammer. Jonas Hale, Namor, o Príncipe Submarino (The Sub-Mariner), Phillip Barnett, Derretedor (Melter), Nevasca (Blizzard), Chicote Negro (Whiplash), Besouro (Beetle), Mago das Águas (Water Wizard), Estilete (Stiletto), Constritor (Constrictor), Espião Mestre (Spy-Master), Discus, Homem-Sapo (Leap-Frog), Porco-Espinho (Porcupine) e Matadora (Man-Killer)
Cenários principais: Atlântico Sul, diversos pontos da cidade de Nova Iorque, ilha artificial de Justin Hammer (estacionada algures no Mediterrâneo), Atlantic City e Mónaco
Edições em Português: Foi sob a égide da Abril brasileira que esta saga foi pela primeira vez apresentada aos leitores lusófonos. Que, ao longo de nove meses (entre fevereiro e outubro de 1985) puderam vibrar com a trama espraiada pelas páginas de Heróis da TV (do nº68 ao 76, com dois hiatos nos números 69 e 71). 

Heróis da TV nº76 (outubro de 1985) trouxe
 o emocionante desfecho da saga O Demónio na Garrafa.

Já este século, a história teve direito a duas republicações por outras tantas editoras de Terras Tupiniquins, ambas no formato de volume único. A primeira, datada de junho de 2008, foi lançada pela Panini sob o título Os Maiores Clássicos do Homem de Ferro nº1. Ao passo que a segunda, com a chancela da Salvat, chegou aos escaparates brasileiros em setembro de 2014, inaugurando a Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel


As duas republicações da saga lançadas
 pela Panini e pela Salvat, respetivamente em 2008 e 2014.

Conceção e desenvolvimento: Na viragem da década de 70 do século passado, era este, em pinceladas largas, o quadro  da indústria dos comics estadunidenses: de um lado, tínhamos a DC  a explorar o mistério, a magia e o fantástico; do outro, a Marvel seguia à risca os sábios ensinamentos de Stan Lee para que se privilegiasse a natureza humana das personagens, apresentando-as como seres falhos, a braços com os seus próprios dilemas e angústias, pois só assim seria possível os leitores identificarem-se com elas.
Em linha com essas orientações, David Michelinie resolveu centrar a trama, cujo esqueleto vinha há semanas montando, numa batalha pessoal travada por Tony Stark contra um inimigo, desgraçadamente, bem real: o álcool. Importa desde logo ter presente que, à época, o tema do alcoolismo era ainda um tabu social. Ademais, não obstante a progressiva adultização do género super-heroístico que vinha fazendo escola desde o dealbar dos anos 1960, este continuava a ser perspetivado como um produto cultural destinado, essencialmente, a um público menor de idade.
Havia, portanto, o sério risco de a história gerar controvérsia. Algo que, de facto, acabaria por se verificar. Surtindo, porém, o efeito contrário ao temido pelos editores da Marvel. Em vez de chocar sensibilidades, Demon in a Bottle despertou consciências e captou toda uma gesta de leitores adultos, ávidos de enredos maduros e infundidos de realismo. Atributos narrativos que eram já a imagem de marca da Casa das Ideias, permitindo-lhe desse modo continuar a acentuar a diferença relativamente à arquirrival.
A despeito de tudo isso, o êxito de Demon in a Bottle apanhou desprevenidos os seus autores. Em 2008, em vésperas do 30º aniversário do lançamento da saga nos EUA, Bob Layton continuava a não esconder a sua perplexidade: "Nunca foi nossa intenção produzir algo relevante. Éramos pagos, basicamente, para escrever o próximo episódio  de Iron Man. Foi por mero acaso que escolhemos o alcoolismo como mau da fita. Podia ter sido o Doutor Destino ou qualquer outro vilão clássico. Mas tanto eu como o David Michelinie considerámos interessante o conceito de o Homem de Ferro ser transformado no seu próprio inimigo. Naquele mês o génio maligno saltou, literalmente, da garrafa. Bem vistas as coisas, o que normalmente derruba as pessoas por mais poderosas que elas sejam? Ganância, sexo, drogas e álcool. Deste cardápio pecaminoso optámos pelo álcool, como poderíamos ter escolhido qualquer uma das outras opções. Foi apenas isto. Nunca nos passou pela cabeça que a história se tornasse memorável."




David Michelinie & Bob Layton (cima) e John Romita, Jr. :
 a dream team que arvorou o Homem de Ferro aos píncaros da popularidade,

No entanto, Demon in a Bottle conquistou por mérito próprio um lugar de destaque na memorabilia da Casa das Ideias. Considerada pela generalidade da crítica especializada como uma das melhores sagas da editora, arrebatou em 1980 o Eagle Award para melhor arco de histórias individual. Galardão que premiava tanto o enredo inteligente de David Michelinie e Bob Layton, como o notável trabalho artístico de John Romita, Jr. Não sendo, portanto, de admirar que a saga continue ainda hoje a influenciar os escribas que vão desfilando a sua verve pelas páginas de Iron Man.
Abrangendo os números 120 a 128 de The Invencible Iron Man , Demon in a Bottle correspondia originalmente ao título do epílogo da saga. Refira-se, à laia de curiosidade, que quando foi lançada a respetiva compilação, em 1984 e 1989, o título genérico escolhido foi The Power of Iron Man. Designação que, indo ao encontro da preferência dos fãs, daria lugar em posteriores reedições ao icónico Demon in a Bottle.

Iron Man Vol 1 123
Aperta-se o cerco ao Vingador Dourado em Iron Man nº123 (junho de 1979).

Quem era Bethany Cabe?




O mais recente interesse romântico de Tony Stark surgira pela primeira vez em dezembro de 1978 no número 117 de Iron Man. Criação conjunta de David Michelinie, Bob Layton e John Romita, Jr., foi apresentada como a charmosa viúva de um adido diplomático da República Federal Alemã em terras do Tio Sam chamado Alexander van Tilburg. Esposa-troféu, Bethany Cabe viveu um matrimónio infeliz devido à dependência de drogas do marido que ela tentou, em vão, combater. Facto que, pouco tempo depois, esteve na origem da separação do casal.
Após a morte de Alexander num acidente de viação, Bethany recriminou-se por tê-lo abandonado em vez de permanecer ao seu lado para, juntos, o libertarem do vício que destruíra o casamento de ambos. Na esteira deste trágico episódio na sua história pessoal, Bethany jurou a si mesma que jamais voltaria a ficar dependente de quem quer que fosse.Resoluta, foi treinada pelos melhores agentes policiais e lutadores de rua da Costa Leste, tornando-se uma das mais requisitadas guarda-costas de celebridades, diplomatas e até de membros da realeza. Com a sua amiga e associada Ling McPherson fundou a empresa de segurança pessoal Cabe & McPherson.
Os caminhos de Bethany Cabe e Tony Stark cruzaram-se pela primeira vez em Nova Iorque durante uma receção oficial realizada na Embaixada da República da Carnélia (nação fictícia localizada no Leste europeu). Bethany desempenhava então as funções de guarda-costas do novo embaixador carneliano na ONU.
Passando por cima da velha máxima que desaconselha a mistura de negócios com prazer, Bethany e Tony envolveram-se romanticamente pouco tempo depois de o milionário ter contratado a Cabe & McPherson como especialistas de segurança da Stark Internacional.
Quando Tony começou a beber em excesso, Bethany temeu estar a reviver o pesadelo do seu casamento com Alexsander Van Tilburg, e tudo fez para prevenir idêntico desfecho para o seu novo relacionamento.

O que movia Justin Hammer?



Igualmente fruto da prodigiosa imaginação da dupla Michelinie/Latyon, Justin Hammer foi propositadamente concebido para ser o antagonista principal de Tony Stark nesta saga do Vingador Dourado. Nesse sentido, a sua estreia ocorreu em Iron Man nº120 (edição datada de março de 1979). E logo o velhaco mostrou ao que vinha.
Barão da indústria nascido na Velha Albion, dirigia com pulso férreo - e sem qualquer vestígio detetável de ética - um conglomerado de negócios internacionais. Que tinha no fabrico e comercialização de armas o seu ramo mais lucrativo.
Concorrentes diretas da Stark Internacional, as Indústrias Hammer  dominavam o mercado de armamento desde que Tony dele se retirara tempos atrás. Após  anos de guerra surda marcados por alguns episódios de espionagem industrial, os dois conglomerados entraram em acesa disputa pelo licenciamento de unidades de produção em território carneliano.
Consciente de que o Homem de Ferro era um símbolo vivo do poderio tecnológico da Stark Internacional  e uma peça-chave da sua segurança ( mas ignorando que ele e Tony eram a mesma pessoa), Hammer incumbiu os seus engenheiros de arranjarem forma de interferir com o funcionamento do traje blindado do herói.
Quando essa missão foi coroada de êxito, o vilão passou a poder controlar remotamente a armadura do Homem de Ferro. Foi assim, aliás, que ativou o sistema de armamento do traje para assassinar publicamente o embaixador carneliano nas Nações Unidas, incriminando o Vingador Dourado. Incidente diplomático que causou graves danos reputacionais à companhia de Tony Stark.
Paralelamente, Justin Hammer financiava e apetrechava com a sua parafernália tecnológica um contingente de super-criminosos. Os mesmos que não se fez rogado em usar para tentar neutralizar o Homem de Ferro. Saber-se-ia mais tarde que o patrocínio de Hammer tinha como contrapartida metade dos proventos obtidos pelos seus seu asseclas nos crimes por eles praticados.
Em paradeiro incerto após o desenlace da saga, Justin Hammer ressurgiria, uma e outra vez, para atormentar Tony Stark e a sua persona heroica. Consolidando, assim, o seu estatuto de arqui-inimigo de ambos.

A invencibilidade  do Homem de Ferro posta à prova.

Enredo: Após uma estadia em França, Tony Stark viaja a bordo de um avião com destino a Nova Iorque. O seu estado de espírito não podia, porém, ser mais taciturno. Acaba de descobrir que os seus pretensos aliados da SHIELD vêm adquirindo em segredo ações da Stark Internacional, objetivando assumir o controlo da companhia. Com os nervos em franja, o milionário bebe vários vermutes de enfiada.
Subitamente, uma das asas da aeronave é atingida por um tanque militar arremessado a grande altitude. Instalado o pânico entre os restantes passageiros, Tony aproveita o pandemónio para se esgueirar até uma das portas de emergência. Depois de abri-la, salta no vazio carregando apenas a sua pasta de executivo onde guarda a armadura do Homem de Ferro. Vestindo o traje em pleno ar, apressa-se a travar a queda do avião, guiando-o para uma suave amaragem.
Equipas de socorro confluem entretanto para o local, bem como um pequeno destacamento militar. Enquanto os passageiros são resgatados em segurança do interior do aparelho, o Homem de Ferro é escoltado por soldados até uma base militar instalada numa ilha próxima dali. Pela voz do seu comandante. o herói fica a saber que o tanque que atingira o avião fora arremessado por Namor, o Príncipe Submarino. Facto ocorrido quando os militares tentavam remover um residente da ilha que protestava contra a sua utilização como aterro tóxico.
Furioso com a irracionalidade de Namor, o Homem de Ferro parte no seu encalço e os dois envolvem-se numa violenta escaramuça subaquática. Durante a qual as lentes vedantes do capacete do Vingador Dourado se abrem inopinadamente, deixando a água entrar. Prestes a afogar-se dentro do próprio traje, Tony consegue, no último instante, retificar o problema.
Por fim, o Homem de Ferro e o Príncipe Submarino percebem que os soldados são na verdade mercenários a soldo da Corporação Roxxon, uma multinacional petrolífera interessada na exploração das jazidas de vibranium (metal fictício extremamente raro com propriedades isolantes) existentes na ilha.
Juntando forças, os dois titãs desbaratam facilmente o contingente de mercenários. Que conseguem, ainda assim, escapar depois de terem feito deflagrar potentes cargas explosivas plantadas em diversos pontos estratégicos da ilha. Causando o seu afundamento e consequente eliminação de quaisquer vestígios das operações de mineração que lá tinham sido efetuadas.

Choque de titãs a abrir a saga em Iron Man nº120 (março de 1979).
Na sua jornada de volta a terra firme, o Homem de Ferro é surpreendido por uma súbita avaria da sua armadura, desta feita afetando o seu sistema de voo. Voando de forma descontrolada durante alguns minutos, o herói acaba por despenhar-se no solo, saindo contudo ileso do acidente.
A milhares de quilómetros dali, comodamente instalado na sua base flutuante estacionada em águas mediterrânicas, Justin Hammer exulta com os resultados dos seus testes de controlo remoto do traje blindado daquele que supõe ser um mero empregado de Tony Stark.
Intrigado com o sucedido, nessa mesma noite o milionário analisa minuciosamente a armadura do Homem de Ferro no seu laboratório. E mais intrigado fica com o diagnóstico obtido: nenhuma anomalia detetada.
Na noite seguinte, de visita a um casino em Atlantic City na companhia de Bethany Cabe (a sua mais recente conquista amorosa), Tony Stark e os demais visitantes são surpreendidos por uma tentativa de assalto levada a cabo por um trio de super-criminosos composto por Nevasca, Derretedor e Chicote Negro.
Enquanto a quadrilha tenta arrombar o cofre do casino, Tony aproveita uma vez mais o pânico instalado para se transformar no Homem de Ferro. Os vilões, no entanto, não se deixam intimidar e o Vingador Dourado fica à mercê dos seus poderes combinados. Ouvindo-os comentar entre si que um tal Hammer lhes ordenara que não o matassem.
Antes que consiga, porém, processar esta informação, o Vingador Dourado é salvo in extremis pela corajosa e eficiente intervenção de Bethany Cabe. Com um disparo certeiro, a rapariga corta ao meio o chicote do Chicote Negro quando se ele preparava para desferir um golpe potencialmente fatal no herói.
Uma vez subjugados os agressores, Bethany critica severamente a inépcia do Homem de Ferro em proteger Tony Stark. Após trocar rapidamente de roupa, o milionário volta descontraidamente para junto da sua acompanhante para que possam ambos continuar a desfrutar do serão.
No dia seguinte, Tony recebe e aceita o convite das Nações Unidas para que o Homem de Ferro represente a Stark Internacional na assinatura do tratado de adesão da República da Carnélia à organização. Consternado, o milionário monitoriza, em paralelo, a aquisição hostil de que a sua companhia vem sendo alvo por parte de testas-de-ferro ao serviço da SHIELD.
No final de uma cerimónia cheia de pompa e circunstância, o Homem de Ferro e o embaixador carneliano, Sergei Kotznin, posam para os fotógrafos na sede da ONU. Sem que nada o fizesse prever, o raio repulsor da luva do herói encostada às costas do diplomata é repentinamente ativado. Perante uma vasta plateia horrorizada, o Vingador Dourado comete um homicídio a sangue-frio.

Uma das imagens mais marcantes de toda a saga.
Interrogado pela Polícia, o Homem de Ferro clama inocência, justificando o sucedido com uma avaria no seu traje. Apesar do perturbado herói ser mandado em liberdade, Tony Stark é intimado pelo gabinete do mayor a entregar a armadura do seu empregado para inspeção. De coração pesado, o milionário aquiesce e nos dias que se seguem refugia-se cada vez mais no álcool.
Depois de entregar uma armadura inoperacional às autoridades, Tony e Bethany têm uma acalorada discussão sobre o papel do Homem de Ferro na Stark Internacional. Para aquietar o espírito, Tony procura uma vez mais conforto na bebida.
Ainda ébrio, o milionário desloca-se como Homem de Ferro à mansão dos Vingadores. A pedido destes, ele concorda em abandonar temporariamente a liderança da equipa. Aproveitando para receber uma lições de combate corpo a corpo com o Capitão América, precavendo assim a possibilidade de a sua armadura voltar a falhar.
É também esse o motivo que leva Tony a contratar Scott Lang (o segundo Homem-Formiga) para uma arriscada missão: infiltrar-se na prisão para onde foi levado Chicote Negro e arrancar-lhe informações sobre o seu misterioso empregador.
Na posse de novos dados sobre o seu némesis, Tony, acompanhado por Jim Rhodes (seu piloto e amigo), ruma ao principado do Mónaco. Seguindo uma pista fornecida pelo Chicote Negro, os dois localizam o esconderijo de Justin Hammer. Sendo, no entanto, atacados e deixados fora de combate pelos mercenários ao serviço deste antes que consigam penetrar nas instalações.
Abandonado numa praia deserta, Jim Rhodes é detido pela polícia monegasca e levado para interrogatório. Tony, por sua vez, acorda na sumptuosa villa de Justin Hammer, com quem fica finalmente mano a mano.
O vilão revela-lhe ser ele o responsável pelas recentes avarias na armadura do Homem de Ferro que, entre outras coisas, resultaram na morte do embaixador carneliano. Questionado por Tony sobre os motivos de tanto rancor em relação a si, Hammer explica-lhe que tudo se resume a uma vingança. Na origem da qual estivera um suposto favorecimento da Stark Internacional num lucrativo negócio na República da Carnélia em que as Indústrias Hammer também eram parte interessada.
Apostado em causar o maior prejuízo possível ao conglomerado de Stark, Hammer ordenara aos seus engenheiros que sabotassem os circuitos internos da armadura do Homem de Ferro, obtendo controlo remoto sobre ela.

Justin Hammer. o rosto por trás do infortúnio de Tony Stark.
Aproveitando uma distração momentânea dos seus captores, Tony consegue escapulir-se e escala um dos altos muros que cercam a propriedade. Apenas para descobrir que esta é na verdade uma ilha artificial sem escapatória possível.
Novamente feito prisioneiro, Tony consegue no entanto evadir-se depois de ludibriar um dos guardas. Alertado da fuga, Hammer convoca o seu contingente particular de supervilões (constituído por Discus, Matadora, Constritor, Besouro, Mago das Águas, Estilete, Porco-Espinho e Homem-Sapo) para localizar e recapturar Stark. Este recupera entretanto a sua pasta de executivo contendo a armadura do Homem de Ferro que lhe fora confiscada pelos esbirros de Hammer. Trocando rapidamente de roupa, o herói derrota sem apelo nem agravo os criminosos fantasiados e segue na peugada do vilão.
Persuadida da veracidade do relato apresentado por Jim Rhodes, a polícia monegasca envia uma esquadrilha de helicópteros armados para atacar a base flutuante de Hammer. O vilão consegue contudo escapar e o Homem de Ferro usa todo o poder da sua armadura para afundar a ilha.
Apesar desta vitória, uma vez regressado a casa, Tony Stark continua a embriagar-se com cada vez maior frequência. Certa noite, ao chegar à mansão dos Vingadores com uma acompanhante de ocasião, destrata o mordomo Jarvis. Que, logo ao raiar do dia, lhe apresenta a sua carta de demissão.
Continuando a beber para esquecer os problemas, Tony é confrontado por Bethany Cabe. Que lhe confidencia como a toxicodependência do seu ex-marido destruíra o seu casamento e, em última análise, o matara. Emocionado com o dramático relato da namorada, Tony admite o seu problema com a bebida e pede-lhe ajuda para enfrentá-lo.

Quando os problemas apertavam, Tony Stark bebia coragem líquida.
Com resultados desastrosos.

Empenhado em reparar os seus erros, o primeiro passo de Tony é apresentar um sentido pedido de desculpas a Jarvis. O mordomo, comovido, aceita regressar ao serviço. Não sem antes lhe confidenciar que, por ter a mãe gravemente doente e julgando-se desempregado, se vira na contingência de penhorar o seu pequeno lote de ações da Stark Internacional para financiar o tratamento médico requerido.
Receando que as ações acabem em mãos erradas, Tony tenta debalde reavê-las. Dessa frustração resulta um impulso quase irreprimível de voltar a beber. Apanhado em flagrante por Bethany Cabe, ele consegue resistir à tentação e mantém o seu demónio interior preso dentro da garrafa.

Lado a lado, passo a passo,
Tony e Bethany vencem a batalha contra o vício.
Apontamentos: 

* Casino Fatale (título do quarto episódio da saga, publicado em Iron Man nº123) é, provavelmente, uma referência à novela de Ian Fleming - Casino Royale -  e ao filme homónimo de James Bond que, em 2006, estreou nas salas de cinema de todo o mundo;
* A carta de demissão apresentada por Jarvis no penúltimo capítulo da história contém duas gafes. A primeira das quais está relacionada com o apelido do fiel mordomo dos Vingadores, que nela surge ilegível. Em consequência disso, seria mais tarde estabelecido que o nome próprio da personagem seria Edwin, assim promovendo Jarvis a apelido. O segundo equívoco suscitado pela citada missiva prende-se com o facto de David Michelinie nunca ter tido a intenção de incluí-la na história. Isto porque, conforme seria explicado na secção de correspondência de Iron Man nº130, a carta foi adaptada de uma minuta oficial da Marvel;

Jarvis apresenta a Tony Stark
a sua polémica carta de demissão.

* Na derradeira página de Iron Man nº128, é legível a inscrição "So Long JR!" num pedaço de papel espalhado sobre a secretária de Tony Stark. Foi a forma que a restante equipa criativa encontrou de se despedir de John Romita, Jr. que, nessa edição, dizia adeus às histórias do Vingador Dourado;
* No fundo da garrafa de uísque retratada na capa dessa mesma edição é possível ler "Coming Soon Jeremy Bingham", numa alusão ao artista que sucederia a Romita a partir do 131º número da série regular do Homem de Ferro;
* Jon Favreau, realizador de Iron Man (2008) e Iron Man 2 (2010), observou que a cena neste último na qual Tony emborca copo atrás de copo numa festa - motivando dessa forma a intervenção de James Rhodes - foi inspirada em elementos de Demon in a Bottle. Saga que o seu sucessor na franquia, Shane Black, quis adaptar em Iron Man 3. Não tendo, contudo, recebido o aval dos Estúdios Marvel, preocupados em não ferir a suscetibilidade do seu público infanto-juvenil.

Também no cinema Tony Stark provou
 ter uma relação problemática com o álcool.

Vale a pena ler?

Não é fácil sentirmos compaixão por uma personagem como Tony Stark. Rico, inteligente, sempre rodeado de belas mulheres e um dos mais formidáveis super-heróis, ele parece ter o mundo na palma da mão. E, na maior parte das vezes, age como se o tivesse.
Provavelmente, o leitor comum sentirá maior empatia por personagens mais terra a terra como Peter Parker e o seu alter ego aracnídeo. Ambos travando - tal como a maior parte de nós, simples mortais - uma luta diária para superar os seus problemas financeiros e os seus dramas pessoais.
Antes mesmo de ser transformado num ícone da cultura pop deste século por via da sua participação no Universo Cinematográfico Marvel, Tony Stark sempre dividiu opiniões. São, pois, tantos os que o admiram como o visionário tecnológico que é como os que desprezam o seu caráter enviesado de playboy mimado. Basta ter presente, por exemplo, o papel por ele desempenhado em Civil War (refiro-me à saga original, não ao filme nela vagamente inspirado). À conta dele, não falta por aí quem, até hoje, o considere um escroque da pior laia.
Entre outros méritos, Demon in a Bottle serviu, desde logo, para injetar uma substancial dose de realismo nas histórias do Homem de Ferro. Mas também para amenizar o perfil egocêntrico e fanfarrão de Tony Stark.
Ao lidar com as consequência do alcoolismo, o habitualmente inabalável Stark toma dolorosa consciência das suas fraquezas. Que armadura alguma, por mais sofisticada que seja, poderá esconder. Habituado a enfrentar os mais poderosos oponentes, ele vê-se assim obrigado a travar uma árdua batalha contra si mesmo.
Desse fascinante duelo ao espelho resulta uma valiosa lição: um verdadeiro herói é aquele que tem coragem para combater os seus demónios interiores. Ao expor este seu lado mais humano, Tony Stark conquistou a simpatia de muitos leitores que passaram a vê-lo com outros olhos. Inclusive este humilde escriba que nunca teve em grande conta o homem dentro da reluzente armadura dessa espécie de cavaleiro andante dos tempos modernos.
À semelhança de Bruce Wayne e Batman, sempre perspetivei Tony Stark e o Homem de Ferro como duas entidades distintas. Com a diferença de que, no primeiro caso, é Batman quem se disfarça de Bruce Wayne. Já Stark criou a sua persona heroica para compensar as suas falhas de caráter.
Por conta da cativante intriga desenvolvida pela dupla Michelinie/Layton, da soberba arte de Romita, Jr. e da coragem da Marvel Comics em ter abordado um tema tão delicado numa época de ideias menos arejadas, Demon in a Bottle é, sem sombra de dúvida, um clássico da Nona Arte que merece ser (re)descoberto.


De que vale uma armadura
se o inimigo se acoita dentro de nós?