24 dezembro 2014

DO FUNDO DO BAÚ: «A QUEDA DO MORCEGO»





    Em linha com o cunho dramático inaugurado por A Morte do Super-Homem, e tão ao gosto de uma nova safra de leitores, a saga A Queda do Morcego abalou para sempre os alicerces da lenda do Cavaleiro das Trevas. Às mãos de um novo e implacável némesis, Batman teve o espírito alquebrado antes de ter o seu corpo estropiado.

Título original: Batman: Knightfall (designação genérica para a trilogia que engloba também Knightquest e KnightsEnd)
Data de publicação nos EUA: Abril de 1993 a agosto de 1994
Títulos abrangidos: Batman #491-500; Detective Comics #659-666; Showcase '93 #7 e 8; Shadow of the Bat #16-18
Licenciadora: Detective Comics (DC)
Argumento: Alan Grant. Chuck Dixon, Dennis O'Neil, Doug Moench e Jo Duffy
Arte: Barry Kitson, Bret Blevins, Graham Nolan, Jim Aparo, Jim Balent, Mike Manley, Norm Breyfogle e Ron Wagner


Capa do 1º volume da edição encadernada da saga.

Edição brasileira

Título: Batman: A Queda do Morcego
Data de publicação: Março a junho de 1995
Títulos abrangidos: Super Powers #32 (publicado em novembro de 1994, apresentava a origem de Bane) Batman #1- 4, Liga da Justiça e Batman #7-11 
Editora: Abril  (em agosto de 2008 a Panini Comics lançaria uma edição encadernada da saga)
Na minha coleção desde: 1995


Em cima: o 1º número de Batman da Abril anunciava o triunfo de Bane.
Em baixo: A origem do vilão em Super Powers nº32 (1994)

Histórico de publicação: Quase imediatamente a seguir ao arco de histórias Funeral for a  Friend (Funeral Para Um Amigo, minissérie quinzenal em 4 volumes editada no Brasil pela Abril, entre março e abril de 1994) publicado nos vários títulos do Super-Homem em meados de 1993, a DC voltou a surpreender os leitores, ainda aturdidos com a morte do Homem de Aço às mãos de Apocalypse, com o lançamento de Batman: Knightfall. Razão pela qual, durante a fuga em massa do Asilo Arkham que precedeu o duelo do Cavaleiro das Trevas com Bane, o Duo Dinâmico ostentava braçadeiras pretas com a insígnia do herói kryptoniano estampada.
    No prefácio da sua novelização da saga, Dennis O'Neil explicaria que ela fora escrita em consequência da cada vez maior popularidade de heróis violentos, em especial no cinema - como corroborava, aliás, o sucesso das franquias 007 e Exterminador Implacável. Facto que levou os editores da DC a questionarem-se se porventura os leitores não prefeririam que Batman fizesse tábua rasa dos seus monolíticos princípios éticos e morais e matasse alguns dos seus inimigos mais perigosos. 
     Para tal, o homem sob o capuz teria de ser outro que não Bruce Wayne. Estava assim dado o mote para a criação de um novo alter ego para o Cavaleiro das Trevas. Um que não tivesse a sua ação espartilhada por um estrito código de conduta que consagrava a inviolabilidade do direito à vida, mesmo no caso do lote de maníacos homicidas e irrecuperáveis que dão um colorido especial à galeria de vilões do Homem-Morcego.
Dennis O'Neil foi o principal artífice da saga Knightfall.

    Numa história em duas partes publicada em meados de 1991 em Detective Comics, o argumentista Peter Milligan introduzira uma nova e enigmática personagem: Azrael, o Anjo Vingador. Quando Dennis O'Neil - à data editor dos títulos estrelados pelo Cavaleiro das Trevas - achou por bem usar Azrael na história épica que começava a ganhar forma, não perdeu tempo a convocar uma cimeira com o seu painel de escritores. Ao longo de um frenético fim de semana, todos eles definiram as linhas mestras de uma saga que, sabiam de antemão, mudaria para sempre a personagem criada em 1939 por Bob Kane e Bill Finger. 
   Coincidência ou não, por esses dias a equipa criativa responsável pelas séries regulares do Super-Homem discutia os pormenores de uma saga de envergadura e escopo idênticos. Nenhuma das equipas teria, contudo, conhecimento dos planos da outra. Dennis O'Neil nega, por isso, que Knightfall haja sido inspirada por  Death of Superman, afirmando que a saga de Batman estaria a ser desenvolvida há pelo menos um par de anos. O escritor e antigo editor do Cavaleiro das Trevas acrescenta ainda que, caso tivesse tido conhecimento do trabalho que estava então a ser desenvolvido para os títulos do herói kryptoniano, teria acelerado a conclusão de Knightfall, por forma a antecipar a sua conclusão em pelo menos um ano.
    Em conjunto com a minissérie Sword of Azrael (outubro de 1992 a janeiro de 1993) e com a edição especial Vengeance of Bane (janeiro de 1993), a vereda que conduziria à derrocada do Cruzado Encapuzado começou a ser desbravada com vários meses de antecedência nas páginas das suas séries mensais. Com efeito, pela primeira vez no período pós-Crise, um arco de histórias espraiava-se por todo o cardápio de títulos publicados sob o signo do Morcego.

Primeiro tomo da minissérie Sword of Azrael (1992).

  Capitalizando o retumbante êxito da saga, a DC logo a coligiu em dois volumes, intitulados, respetivamente, Broken Bat e Who Rules the Night. Sendo Knightfall imediatamente seguida por Knightquest, o segundo capítulo da trilogia encerrada com KnightsEnd.
    Dividida em dois segmentos narrativos paralelos, Knightquest acompanhava o percurso de Bruce Wayne depois de ser deixado paraplégico pelo ataque de Bane e, em simultâneo, a cruzada empreendida contra o submundo do crime de Gotham pelo novo Batman (Azrael). Esta última serviria como rampa de lançamento para a primeira série regular apresentando histórias a solo de Robin.
    Mimetizando o traço exagerado de desenhadores como Rob Liefeld - tão em voga nos primeiros anos da década de 1990 - em todas as capas em que o novo Batman surgia em destaque, este era invariavelmente retratado de forma desproporcionada: a uma musculatura anabolizada e a umas pernas compridíssimas, correspondiam pés minúsculos. Pormenores anatómicos que lhe conferiam, simultaneamente, uma aparência intimidante e caricatural.
   Em contraste com os dois primeiros capítulos da saga, KnightsEnd prolongou-se somente por dois meses. Motivo: a urgência em concluir o arco de histórias em curso a tempo de o  Batman clássico poder participar na maxissérie Zero Hour, que estrearia imediatamente a seguir a Knightfall. Esse objetivo só seria, no entanto, alcançado devido ao facto de KnightsEnd ter abarcado não apenas as séries regulares do Cavaleiro da Trevas, mas também títulos correlatos, designadamente Catwoman, Robin e até Legends of the Dark Knight (habitualmente uma antologia que reapresentava histórias antigas do Homem-Morcego).

Novo Batman, novos métodos.

Enredo: No prelúdio de Batman: Knightfall são apresentadas duas novas personagens cujos destinos estariam entrelaçados, tendo ambas um papel fulcral ao longo da saga: Azrael e Bane. O primeiro é um estudante suíço a frequentar a Universidade de Gotham. De seu nome verdadeiro Jean-Paul Valley, descobre ter sido subliminarmente treinado desde o berço para vir a ser um assassino de elite ao serviço de uma obscura ordem religiosa. Já o segundo - cujo verdadeiro nome em momento algum é revelado - é um órfão nado e criado na ilha-prisão de Santa Prisca, nos confins da América Central. Depois de ter sido forçado a participar num tenebroso experimento científico com o intuito de criar um supersoldado geneticamente aprimorado, Bane consegue evadir-se da ilha com um único objetivo em mente: destronar Batman como "rei" de Gotham City.

Uma montanha de músculos alimentada por Veneno. Assim é Bane.

    Ambos seriam rapidamente inseridos no elenco dos títulos mensais do Homem-Morcego: Azrael como um super-herói em preparação, embora já lutando ao lado de Batman; Bane como um supervilão urdindo nas sombras um diabólico plano visando a destruição do guardião de Gotham.
  Atravessando uma espécie de crise de meia-idade, pautada por alguma volubilidade psicológica e emocional, o Cavaleiro das Trevas é obrigado a lidar, num curto espaço de tempo, com uma sucessão de ameaças. Ao regresso do Máscara Negra e da sua quadrilha (que têm como alvos Bruce Wayne e Lucius Fox), segue-se a tentativa de assassinato do Comissário Gordon por um sicário contratado por um chefe da Máfia colocado atrás das grades pelo chefe do DPGC.
   Batman começa a sentir que está prestes a atingir o seu limite, especialmente depois de ter falhado em capturar o Máscara Negra. Com uma dificuldade crescente em raciocinar e em manter-se focado, resolve procurar ajuda como Bruce Wayne junto de uma terapeuta holística, a doutora Shondra Kinsolving. Incumbe também Robin (Tim Drake) de treinar as aptidões detetivescas de Jean-Paul Valley, com vista a torná-lo um aliado do Duo Dinâmico  na guerra pressentida. Batman acalentava  a secreta esperança de conseguir assim neutralizar os efeitos da programação mental que induzia Jean-Paul a tornar-se um matador de sangue frio.

Azrael, o Anjo Vingador.
  Apesar dos conselhos de todos os que o rodeiam - inclusive a doutora Kinsolving - Bruce recusa-se teimosamente a fazer uma pausa para se recompor. Em vez disso,  prossegue obstinadamente a sua cruzada autoimposta, fazendo descaso da sua condição debilitada. Não sendo explícita a sua causa, há quem atribua esse quadro depressivo à morte do Super-Homem, seu amigo e aliado, escassas semanas antes.
   Nos dias que se seguem, à medida que o seu extenuamento físico e mental se acentua, Batman não tem um minuto para respirar. A um ritmo vertiginoso, sucedem-se os desafios e as ameaças. Cada uma mais perigosa que a anterior; deixando o herói cada vez mais perto do seu ponto de rutura. O que o Cruzado Encapuzado não sabia era que todos os seus movimentos vinham sendo monitorizados por Bane.
   Aos poucos, Bane vai-se mostrando ao seu oponente, dando-lhe a saber ao que vem. Chegando mesmo a interferir numa refrega envolvendo Batman e os seus velhos inimigos Crocodilo e Charada. Para testar os limites do Homem-Morcego, o vilão injeta uma dose de Veneno (a toxina que lhe proporciona força e resistência sobre-humanas) no Charada.
   O crescendo de violência e anarquia em Gotham City culmina com a invasão do Asilo Arkham por parte de Bane e seus asseclas. Depois de libertar a totalidade dos reclusos (entre eles pontificando alguns dos piores inimigos de Batman, casos de Joker, Espantalho ou Hera Venenosa), o vilão fornece-lhes armas e instiga-os a tomarem a cidade de assalto.

A fuga em massa do Arkham deixou exausto o Cavaleiro das Trevas.

   Ciente de que sairia derrotado numa confrontação direta com o Cavaleiro das Trevas, a estratégia de Bane consiste em enfraquecer ao máximo o seu adversário, obrigando-o a enfrentar múltiplas ameaças em simultâneo.
  Robin, entrementes, sente uma crescente dificuldade em trabalhar em conjunto com Jean-Paul Valley mercê do temperamento violento deste. Perante a gravidade da situação e temendo uma reedição da tragédia ocorrida com Jason Todd, Batman proíbe o Menino Prodígio de o acompanhar nas operações no terreno para capturar os foragidos do Arkham.
   Com efeito, ao ser exposto, na operação de resgate da mayor de Gotham, a uma dose do gás do medo do Espantalho, o Cavaleiro das Trevas revive o seu maior fracasso: a morte do segundo Robin às mãos do Joker. É, pois, nesse preciso momento que o seu espírito cede. E é também esse o momento certo para Bane avançar para a fase seguinte do seu plano.
   Dono de um impressionante intelecto suscetível de rivalizar com o do próprio Batman, Bane deduzira que Bruce Wayne seria o homem por detrás da máscara, e invade a Mansão Wayne com o intuito de desferir a estocada final no seu fragilizado oponente. Por esta altura o Cavaleiro das Trevas era já um pálido reflexo de si mesmo. Sendo portanto presa fácil para Bane que, depois de espancá-lo brutalmente em plena Batcaverna, usa um joelho para lhe partir a coluna vertebral como se de um galho seco se tratasse.

O momento que antecede a grave lesão que atiraria Bruce Wayne para uma cadeira de rodas.

   Não satisfeito com a destruição simbólica e física do seu adversário, Bane transporta o corpo estropiado de Batman para a principal praça de Gotham City. Para demonstrar a sua superioridade à populaça, atira-o do cimo de um telhado.
  Batman escapa da morte por um triz graças à intervenção de Robin e Alfred. Mas não escapa à humilhação da derrota e ao dramático destino de ficar confinado a uma cadeira de rodas.
  Com o guardião de Gotham fora de combate, Bane assume rapidamente o controlo do submundo do crime da cidade, passando a administrar diversos negócios ilícitos.
  Entretanto, na esperança de uma reabilitação física, Bruce Wayne contrata os serviços da doutora Kinsolving ao mesmo tempo que exorta Jean-Paul Valley a assumir o manto do Morcego, proporcionando dessa forma um novo protetor a Gotham. Facto que provoca um atrito entre Bruce e o seu pupilo Tim Drake, por este preferir ver Dick Grayson (o primeiro Robin e atual Asa Noturna) a desempenhar esse papel. Sob o pretexto de que Grayson teria os seus próprios problemas e responsabilidades, Bruce descarta prontamente essa hipótese - decisão que deixaria o seu antigo parceiro ressentido. Porém, o verdadeiro motivo por trás dessa recusa decorria do facto de Batman não querer que Dick enfrentasse Bane. Do mesmo modo que proíbe Jean-Paul Valley de o fazer. Quando isso acontece, apenas as luvas modificadas do novo Batman o salvam de uma queda para a morte.

Capas de Batman e Detective Comics, títulos onde foi publicado o grosso da saga.

   Pouco tempo depois, a doutora Kinsolving e o pai de Tim Drake são raptados. Bruce Wayne e Alfred viajam para o estrangeiro na sua peugada. Com o seu patrono ausente, Jean-Paul Valley assume-se como um Batman muito diferente do original, impondo o seu estilo mais violento, mas ainda não letal. Tudo corre bem até ao seu encontro com o Espantalho. Infetado pelo gás do medo do vilão, Jean-Paul é salvo da loucura pelo Sistema, a sua programação mental latente entretanto espoletada. Em consequência disso, a sua faceta de Azrael sobrepõe-se, suprimindo gradualmente a personalidade de Jean-Paul. Processo concluído na sequência da sua derrota perante Bane.
   Mais arrogante e paranoico do que nunca, Jean-Paul descarta a assistência de Robin, visto por ele como um empecilho às suas ações radicais. Substitui também o uniforme tradicional de Batman por uma armadura mecânica que mais não é do que uma amálgama do traje do Cavaleiro das Trevas com o de Azrael. É com ela, de resto, que confronta Bane pela segunda vez. Sendo o resultado deste segundo round favorável a Jean-Paul. Muitos civis foram, todavia, postos em perigo pela sua imprudência. O que leva a imprensa e a polícia a questionarem a moralidade de um Homem-Morcego tão diferente daquele que a que se tinham acostumado.
   Com Bane física e mentalmente destroçado, Jean-Paul debate-se com o dilema de lhe pôr termo à vida ou de entregá-lo à Justiça. Embora relutante, acaba por escolher a segunda opção, sendo Bane encarcerado na prisão de segurança máxima de Blackgate. Nas semanas que se seguem, o novo Batman, mais e mais instável a cada dia que passa, continua a velar por Gotham City. Num reinado sombrio que só conheceria o seu ocaso com o regresso do verdadeiro Cavaleiro das Trevas.

Clássico versus moderno: há apenas lugar para um Batman.

Continuidade: Estima-se que o grosso dos eventos narrados em Batman: Knighfall tenha lugar por volta do 10º ou 11º ano de atividade do Homem-Morcego. Informação, de resto, corroborada pela própria cronologia oficial da DC.
   A saga começa poucos meses após Tim Drake se ter tornado o terceiro Robin. Com o casamento de Dick Grayson e Koriander (Estelar, sua colega dos Titãs) a acontecer logo após o estropiamento de Bruce Wayne. Era também ano de eleições municipais, havendo por isso referências à campanha de reeleição da mayor Amanda Krol,  em curso antes e depois do advento de Bane a Gotham City.
  Um encontro entre Selina Kyle (Mulher-Gato) e Bruce Wayne a bordo do jato privativo deste é explicitamente referenciado como se tratando da primeira interação entre ambos nas suas respetivas identidades civis no período pós-Crise.
   Em consequência da destruição da versão moderna do Batmóvel em KnightsEnd, o modelo original (com o icónico ornamento com o formato da cabeça de um morcego na grelha dianteira) é novamente usado pelo Duo Dinâmico em diversos momentos da história. Nela é também introduzido pela primeira vez o veloz monocarril, concebido pelo pequeno génio deformado Harold, que passa a fazer a ligação entre a Batcaverna e o sistema de metropolitano de Gotham.
 Aquando do seu regresso definitivo, o Cavaleiro das Trevas também abandonaria o seu uniforme tradicional, trocando-o por uma armadura negra e confecionada à base de kevlar, notoriamente inspirada naquela que a sua contraparte cinematográfica envergara nas duas películas realizadas por Tim Burton. Como meio de transporte para as suas incursões noturnas na cidade que jurou proteger, o herói conduz agora um modelo ultramoderno do Batmóvel.

Logo após o seu regresso, o verdadeiro Batman adotou um visual muito semelhante ao da sua versão cinematográfica.
Adaptações: Além da já citada novelização de Batman: Knighfall da autoria de Dennis O'Neil em 1994, ao longo dos anos a saga foi sendo transposta para outros formatos.
  Algumas dessas primeiras adaptações verificaram-se em episódios avulsos de séries de animação como Batman: The Animated Series (1993-95) ou The Batman (2004-08). Bane, retratado menos como um mestre do crime do que como um assassino de sangue frio, enfrentou em ambas o Cavaleiro das Trevas sem, contudo, lograr derrotá-lo.
 Em Justice League: Doom, película animada de 2012 lançada diretamente em DVD, Bane alude explicitamente à pretérita derrota que infligiu ao Homem-Morcego. Numa sequência tendo como cenário o túmulo vazio dos pais de Bruce Wayne, o vilão proclama: "Quando lutámos pela primeira vez, quebrei o morcego. Hoje quebrarei o homem!". Nesse mesmo ano, o filme The Dark Knight Rises (O Cavaleiro das Trevas Renasce para os espectadores portugueses) apresentou uma adaptação bastante aproximada de Knightfall, com Alfred a apresentar a sua demissão perante a obstinação de Bruce Wayne em recapturar sozinho a turba de criminosos insanos libertados do Arkham por Bane. Quando este e Batman se defrontam pela primeira vez, o vilão, numa cena decalcada da banda desenhada original, espanca selvaticamente o herói para de seguida lhe partir a coluna em cima do joelho.
  Em terras de Sua Majestade, Knightfall converteu-se, em 1994, numa novela radiofónica transmitida pela insuspeita BBC Radio 1 em segmentos com apenas três minutos de duração. Material que seria, já este século, posto à venda em CD e no formato de áudio-livro.

Batman e Bane digladiaram-se em O Cavaleiro das Trevas Renasce (2012).
    
O que tem esta saga de tão especial?

   Para o site IGN, o primeiro capítulo de Batman: Knightfall (Broken Bat) merece constar na penúltima posição do seu Top 25 das melhores graphic novels do Cavaleiro das Trevas de todos os tempos. Conquanto, na minha modestíssima opinião, esse posto não faça jus à qualidade e impacto da saga, não podia estar mais de acordo com a breve análise lá apresentada: «O que torna a primeira parte de Knightfall tão memorável não é vermos Bane partir com as próprias mãos a coluna vertebral de Batman. É a rápida queda em desespero por parte do herói que nos choca. Tudo o que acontece depois mais não é do o que resultado expectável da sua derrocada física e mental. Em última análise, o espírito do Morcego é fraturado antes das suas vértebras. E isso é algo nunca antes visto».
   Qualquer fã do Batman que se preze se habituou, com efeito, a percecioná-lo como uma personagem dona de uma vontade indómita e de um espírito inquebrantável. Mesmo nas ocasiões em que conheceu o travo amargo da derrota ou vivenciou tragédias suscetíveis de abrirem brechas na sua muralha emocional, o soturno guardião de Gotham logrou mantê-la inexpugnável. Foi assim, por exemplo, com o brutal assassinato de Jason Todd perpetrado pelo Palhaço do Crime ou, mais recentemente, com a aparente morte do seu filho Damian. Em ambos os casos o Homem-Morcego vergou mas não quebrou. É por isso, aliás, que às vezes não resisto a fazer um trocadilho com o título desta saga: A Quebra do Morcego.


Morcego apavorado.
    
   Porque, em bom rigor, é disso que se trata. Da quebra física, psicológica e espiritual do Cavaleiro das Trevas. Tratando-se de um simples homem numa fantasia, era previsível que, mais cedo ou mais tarde, esse dia chegaria. Dos arqui-inimigos de Batman, os mais cotados para conseguirem essa proeza seriam, indubitavelmente, o Joker ou o Espantalho.
   No entanto, à semelhança de Apocalypse em A Morte do Super-Homem, Bane entra de rompante na vida do Cavaleiro das Trevas, apanhando-o totalmente desprevenido. A impreparação de Batman para enfrentar tão implacável antagonista, associada à melancolia que o submergira após o desaparecimento do seu amigo kryptoniano, constituem, pois, os dois principais fatores que explicam a sua derrocada.
   Bane, por sua vez, possui a particularidade de, sendo um assassino implacável, estar, por contraponto a uma parcela substancial de outros inimigos jurados do Cavaleiro das Trevas, na total posse das suas faculdades mentais. Enquanto Joker tem no desejo de caos a força motriz dos seus tresloucados atos, Bane alia inteligência e  força bruta para consumar os seus desígnios de conquista de poder e riqueza. Quase como se de um padrinho da Máfia entupido com esteroides anabolizantes se tratasse.
   Até se cruzar com Bane, Batman era virtualmente invicto. A despeito dos muitos ferimentos físicos que lhe foram sendo infligidos, nunca antes ninguém lhe conseguira alquebrar o espírito. Somente esse facto possibilitou que o  Cruzado Encapuzado fosse humilhado pelo seu mais recente némesis no seu próprio reduto. Essa é, de resto, a cena mais icónica de toda a saga: o momento em que Batman tomba aos pés de Bane em plena Batcaverna.
  Perante este cenário dramático, a pergunta que logo se impôs foi: conseguirá Batman doravante levar de vencida os seus oponentes sem os matar? À qual se somou uma outra: deveriam os criminosos insanos internados no Arkham escaparem impunes das atrocidades por eles perpetradas? No subtexto da saga está patente a ideia de que, porquanto Joker e companhia não jogam de acordo com as regras sociais instituídas, o Departamento de Polícia de Gotham necessita de um vigilante que aja em conformidade com esse quadro.
  Razões mais do que suficientes para que considere A Queda do Morcego uma das melhores histórias de Batman que alguma vez tive o privilégio de ler na minha já vetusta carreira de colecionador de quadradinhos. Sublinhando,todavia, que não estamos em presença de uma narrativa sobre perdas e desgraças, mas sim de uma lição prática de como metabolizar as derrotas, saindo mais forte delas.